sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Esquizofrenia: um dos mistérios da mente

A seguir, um texto interessante publicado pelo Hospital Israelita Albert Einstein sobre a esquizofrenia.


Esquizofrenia: um dos mistérios da mente

“Pai, o vento no rosto é sonho, sabia?”, diz trecho de “Internação”, de Ferreira Gullar. Essa declaração é de um de seus filhos, Paulo, hoje com 50 anos, que é esquizofrênico e já passou por diversas internações em períodos de surto. Cerca de 1% da população mundial, ou seja, 67 milhões de pessoas sofrem com os embates causados por um dos distúrbios mais misteriosos da mente: a esquizofrenia.
As mais recentes pesquisas têm demonstrado avanços na descoberta de alguns de seus segredos. Três grandes estudos publicados na revista Nature em julho de 2009 acompanharam 10 mil casos da doença e chegaram a um grande número de variações genéticas, que respondem por pelo menos um terço do risco de desenvolver o problema.

Primeiros sinais

As alterações que os familiares costumam perceber são o isolamento e a dificuldade de sociabilização, além de medos exagerados, excesso de preocupações, muito diferentes daquelas que a pessoa costumava ter. “Vale lembrar que em geral o início se dá na adolescência ou no princípio da vida adulta, fases em que podem ocorrer alterações de comportamento que não são necessariamente indícios de uma doença”, ressalta Fernanda Rocha de Freitas Vidal, psicóloga do Núcleo de Medicina Psicossomática e da Unidade de Cuidados Avançados do Einstein.
Vale lembrar que em geral o início se dá na adolescência ou no princípio da vida adulta, fases em que podem ocorrer alterações de comportamento que não são necessariamente indícios de uma doença
Uma vez instaladas, as distorções do pensamento e da percepção da realidade levam a caminhos tortuosos. Há quem entre em surtos psicóticos – delírios, alucinações visuais, auditivas, olfativas e táteis –, enquanto outros ficam catatônicos ou desenvolvem estados de afeto inadequados à situação, podendo chegar ao que os especialistas chamam de embotamento afetivo (perda de todas as reações emocionais).
Ambas as situações não só desestruturam os pacientes e quem convive com eles, como podem resultar em atos insensatos e até violentos contra si próprios e outras pessoas. Por isso, é essencial que os familiares entendam o distúrbio e suas limitações e se preparem para questões angustiantes a enfrentar: como vai se desenvolver o quadro, a instabilidade do paciente, a remissão dos sintomas com o tratamento. “É preciso rever expectativas criadas e, em muitos casos, lidar com o preconceito em relação à esquizofrenia dentro da própria família”, explica a psicóloga Fernanda.

O que ocorre no cérebro

Um dos mais conhecidos e analisados fatores que contribuem para a manifestação do distúrbio é a desregulação de sistemas químicos do cérebro, que promovem a transmissão de informações entre as células, por meio de neurotransmissores.
Tanto o diagnóstico como o tratamento precoce são fundamentais para garantir a qualidade de vida ao paciente. Afinal, o surto psicótico também é tóxico para o cérebro.
“A atividade da dopamina, neurotransmissor responsável por determinar a importância dada ao que se percebe e se pensa, aumenta em pacientes com esquizofrenia, e isso explica os delírios e alucinações”, diz o psiquiatra Rodrigo Bressan, corrodenador do Grupo de Imagem Molecular do Instituto do Cérebro do IIEP e coordenador do Programa de Esquizofrenia (Proesq) da Unifesp. “Alguns estudiosos acreditam que essa seria a via final de uma série de processos que acabam desencadeando o surto psicótico.”
Com as técnicas de neuroimagem molecular é possível investigar áreas supostamente relacionadas à esquizofrenia, como o córtex pré-frontal, por meio de exames sofisticados, entre eles a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e a tomografia computadorizada por emissão de fótons únicos (SPECT).
Tanto o diagnóstico como o tratamento precoce são fundamentais para garantir a qualidade de vida ao paciente. Afinal, o surto psicótico também é tóxico para o cérebro. “Quanto mais tempo a pessoa ficar nesse estado, maior será a lesão cerebral e menor a probabilidade de remissão dos sintomas, pois a demora de início aumenta a resistência ao tratamento”, explica o dr. Bressan.

Drogas ilícitas ampliam o risco

Um dos detonadores mais clássicos de quadros psicóticos é o uso de drogas, principalmente a maconha e estimulantes como a cocaína e as anfetaminas. Taís Moryiama, psiquiatra e pesquisadora do Instituto do Cérebro doEinsteine coordenadora do Programa de Atenção às Psicoses da Infância e Adolescência da Unifesp, conta que uma das pesquisas mais benfeitas nessa área mostra que o uso de maconha pode aumentar o risco em até dez vezes se o indivíduo tiver genes que predispõem ao transtorno.
As adversidades sociais também são elencadas como fatores que podem desencadear a esquizofrenia, especialmente as sofridas por imigrantes, pessoas socialmente isoladas e moradores de centros urbanos. Estes a apresentam com maior frequência que populações do meio rural.

Medicamentos e terapias

A fórmula mais eficaz de tratamento é a combinação de medicamentos com outras terapias – ocupacional, comportamental, psicoterapia individual e familiar. “Os neurolépticos de última geração, em especial, ajudam a evitar crises e melhoram a sociabilidade”, diz o dr. Alfredo Maluf, psiquiatra do Einstein.
Entre os pacientes, 16% têm a remissão completa dos sintomas e podem suspender o uso de remédios após alguns anos de tratamento
Ou seja, como agem no controle químico dos neurotransmissores, auxiliam na regulação do nível de dopamina. “Já os sintomas como desmotivação, dificuldade de iniciativa e diminuição das atividades de forma geral não respondem bem a tratamentos medicamentosos e uma série de intervenções terapêuticas deve ser utilizada”, pondera a dra. Taís. A pesquisadora adianta, porém, que estarão disponíveis nos próximos anos medicamentos voltados para tratar esses aspectos.
Entre os pacientes, 16% têm a remissão completa dos sintomas e podem suspender o uso de remédios após alguns anos de tratamento, de acordo com orientação médica. “Essa parcela tem apenas um episódio psicótico típico de esquizofrenia e pode, em cinco anos de acompanhamento, não apresentar mais nenhum”, explica a dra. Taís.
Para a grande maioria, porém, a realidade é bem diferente: cerca de 40% sofrem vários episódios ao longo da vida, mas entre uma crise e outra voltam ao normal; os demais terão surtos a vida toda e devem prosseguir com o tratamento.

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