O casamento ia bem. As duas filhas cresciam saudáveis. No trabalho, as coisas estavam prosperando. Até que no final de 1995, sem motivo aparente, o marceneiro V., 51 anos, começou a ouvir vozes que o mandavam mudar-se para debaixo de uma árvore. A família demorou para convencê-lo de que ele tinha casa, esposa e filhas para cuidar. Até que depois de horas de muita conversa, ele aceitou sair debaixo da árvore e buscar ajuda médica.
Na clínica psiquiátrica, aos 31 anos, V recebeu o diagnóstico. Ele é um dos 1,6 milhão de brasileiros diagnosticados com esquizofrenia, um transtorno mental potencialmente grave que decorre das alterações do funcionamento do cérebro e que provoca, entre outros sintomas, a mudança da percepção da realidade. Este número é de uma pesquisa da Deloitte Access Economics, divulgada em 2013. Desses 1,6 milhão de brasileiros diagnosticados, 412.545 fazem tratamento (cerca de 25%).
Segundo uma pesquisa divulgada nesta sexta-feira (9), realizada pelo Ibope a pedido da farmacêutica Janssen, apenas metade da população que tem esquizofrenia é diagnosticada. Foram entrevistadas 2002 pessoas na pesquisa. Destas, 68% concordam que a maioria das pessoas não deixaria uma criança aos cuidados de um indivíduo que tivesse o transtorno. Além disso, 20% da população brasileira desconhece a esquizofrenia e dos 80% que a conhecem, metade acredita que a doença incapacita uma vida normal.
Foi o que aconteceu com a família do marceneiro. Os parentes, desinformados, achavam que ele nunca mais ficaria bem para cuidar da família e ainda tinham medo de que ele fizesse mal às filhas. Mas a situação foi totalmente controlada alguns dias depois, quando ele deu início ao tratamento com medicamentos e as alucinações, os delírios e os medos – principais sintomas da doença — foram ficando para trás. “Todos reconheceram que basta seguir o tratamento para que as crises nunca mais apareçam”, disse a esposa, que também não quis se identificar.
Para o psiquiatra e professor de medicina na Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo) Rodrigo Bressan, faltam esclarecimentos e informações adequadas sobre a doença e grande parte da população ainda a enxerga como um tabu. “A esquizofrenia é um diagnóstico, não uma sentença. O tratamento adequado e contínuo ainda é a melhor forma de prevenir a progressão da doença e minimizar os sintomas, permitindo que o paciente mantenha uma vida ativa”, afirma.
“Diagnóstico precoce e tratamento adequado e contínuo são condições fundamentais para minimizar os impactos à qualidade de vida do paciente”, completa Bressan.
Porém, dez anos após o início do tratamento, cansado de tomar os medicamentos, V decidiu que estava bem e que poderia interromper o tratamento. Foi quando os sintomas voltaram. “Eu achava que tinha alguém me perseguindo, que alguém queria me matar e fui me esconder”, relatou. V passou a noite inteira escondido dentro de um buraco até ser achado e retomar o tratamento. Dias depois, tudo voltava ao normal.
Hoje, vinte anos depois do primeiro surto, V leva uma vida normal. Trabalha, sustenta a casa, tem um casamento saudável, quatro filhos e uma neta. “Ele é a pessoa mais tranquila que eu já conheci. Pra falar a verdade, eu nem lembro que passamos por tudo aqui”, completou a esposa.
Para V, o apoio da família e a forma de vencer o preconceito imposto pela sociedade foram fundamentais para sua completa estabilização. “Sei que se eu interromper o medicamento posso voltar a ter o surto, mas tenho consciência de que não posso parar e ponto final”, comentou V. Segundo os familiares, V é uma “pessoa sensata, calma e amorosa”.
Para ele, não há dificuldade no diagnóstico da doença. “O desafio está na demora para buscar ajuda médica e no tratamento. O paciente e os familiares têm preconceito e demoram para buscar ajuda psiquiátrica. Eles têm dificuldade de entender que o transtorno é totalmente controlável”, concluiu.
Fonte: UOL
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