Rodrigo BressanPrevenção é uma tendência novaEspecialista em esquizofrenia, o psiquiatra Rodrigo Bressan procura desmistificar a doença, revela as novidades em tratamentos e explica por que o distúrbio é considerado um dos mais misteriosos da mente humana
Por: Lucas Vasques / Fotos: Ricardo Alcará
Todos nós temos imensa curiosidade em conhecer como funcionam o cérebro e os reflexos de seus impulsos e determinações no comportamento das pessoas. Esse interesse se estende quando o tema em questão são os distúrbios psiquiátricos, como a esquizofrenia. Por se tratar de um transtorno ligado ao cérebro, o que por si só já tem como característica a complexidade, a doença é cercada por uma aura de mistério e, ao mesmo tempo, preconceito. A atração é tanta que filmes e novelas abordam, com frequência, histórias de protagonistas que sofrem com a doença.
RODRIGO AFFONSECA BRESSAN - A esquizofrenia pode ser definida como uma doença ou transtorno psiquiátrico no qual o paciente apresenta sintomas bem particulares, como delírios, que são alterações do pensamento. As pessoas passam a ter ideias ou crenças diferentes das habituais, por exemplo. É comum a pessoa adotar um sentimento de perseguição, acreditando que existe um complô contra ela. E tem alucinações e fenômenos sensoriais, como alterações no ver e no ouvir.
Bressan - O transtorno bipolar, em sua origem, é diferente da esquizofrenia, porque tem como característica principal variações de humor, quando a pessoa passa rapidamente da euforia ou exaltação para o comportamento depressivo grave. Nos casos mais avançados também podem apresentar sintomas psicóticos, como delírios. Tanto que o nome anterior do transtorno bipolar era psicose maníaco-depressiva. Quanto ao diagnóstico, é necessário ficar atento a variações de humor, sintoma que não é tão intenso na esquizofrenia quanto no transtorno bipolar.
O que é o grupo de alto risco?O que há de novo em relação aos avanços em pesquisas e tratamentos da esquizofrenia?
Bressan -
Bressan - As alterações cerebrais e a perda de conexões dos neurônios ocasionadas pela doença já são bastante conhecidas pela medicina. Em relação às alucinações auditivas, já é possível, inclusive, dizer que os sons ouvidos pelo paciente realmente existem, pois as regiões ligadas à audição são ativadas no cérebro, mas o portador não tem a percepção de que esses sons inexistem fora da cabeça dele. O que há de mais novo, no momento, é a utilização de métodos para identificar indivíduos que estão prestes a desenvolver a esquizofrenia, para tentar evitar que o transtorno se instale, alcançando o chamado grupo de alto risco para a doença.
Bressan - Este é um grande problema no tratamento da esquizofrenia. Quando o paciente está no meio de um surto, normalmente não tem o menor senso crítico de que está psicótico, delirando. Por isso mesmo, muitas vezes não aceita o tratamento proposto. O que fazemos é tentar perceber algum ponto de angústia da pessoa e associar o tratamento à melhora desse sintoma. Quando o paciente não aceita de jeito nenhum e está se colocando em risco, pode ser indicada uma internação breve. Também é muito importante, após a crise, fazer um trabalho educativo, dando informações sobre a doença e a respeito do seu curso natural. Essas informações fazem o paciente compreender o que tem e aderir melhor ao tratamento.
Bressan - Posso afirmar que existe muita pesquisa a respeito da esquizofrenia. É um transtorno bastante estudado. Porém, por ser uma doença que atinge o cérebro, traz consigo uma grande complexidade. Muitas das alterações causadas por ela já foram mapeadas, mas outras ainda não. Não se pode comparar com os estudos dos problemas cardíacos, por exemplo. Afinal, o coração é um músculo, que bombeia sangue para o corpo. É um órgão bem mais simples do que o cérebro.
Bressan - Funciona da seguinte maneira: quando o indivíduo sofre a primeira crise psicótica e recebe o medicamento correto é possível reverter, quer dizer, pode ser que ele nunca mais tenha outro episódio. No entanto, em outros casos, o paciente volta a apresentar novos surtos e pode ter uma evolução ruim. Depende de cada um, mas é fato que seguir o tratamento de forma rigorosa diminui muito a chance de haver outros episódios.
Bressan - Eu me posiciono contra internações longas e desnecessárias. Quando há evidências psiquiátricas para isso não me oponho, mas as informações mais confiáveis apontam para tratamentos efetivos e curtos. Ainda existe uma má prática, em que famílias mal orientadas querem se livrar do problema com a conivência de alguns médicos. Acredito que isso aconteça porque as pessoas envolvidas estão mal-informadas.
Bressan - Não sou eu quem defende. Todas as pesquisas e trabalhos mais recentes, em relação a formas de tratamento, indicam essa prática. Mesmo quando é necessária a internação, deve vir em paralelo com a medicação adequada.
Bressan - Sem dúvida. Muitas pessoas conseguem levar uma vida integrada, socialmente falando, principalmente quando a doença é detectada e medicada bem no início. Nesses casos as respostas são muito positivas. É importante ressaltar a necessidade de combatê-la o mais rapidamente possível.
Bressan - Infelizmente, ainda existe muito preconceito que atinge as pessoas que sofrem com a esquizofrenia.
Bressan - Totalmente. A falta de informação é a principal fonte dos estigmas.
Bressan - Esse estigma atrasa muito o diagnóstico e a adesão aos tratamentos e medicamentos. E isso pode trazer consequências bastante graves. Uma coisa é um paciente iniciar o tratamento num prazo de dez dias e outra é demorar três ou até seis meses para começar o processo. Há uma grande diferença no que se refere à eficiência e aos resultados do trabalho.
Bressan - Sem dúvida. Muitas vezes o paciente inicia o tratamento, melhora e acha que não é necessário continuar. Entretanto, há muitas chances de os sintomas voltarem.
Bressan - Aqui no Brasil, quando os casos são mais graves, normalmente a pessoa é encaminhada rapidamente a um pronto-socorro. A partir do momento em que é medicada da forma correta, melhora. Mas volto a citar o desconhecimento e a falta de informação. Esses fatores levam o paciente a deixar o procedimento. Em sua segunda crise, chamada de recaída, o remédio pode fazer menos efeito. O afastamento precoce do tratamento pode ser creditado à indisposição da pessoa em tomar remédios diários. Por isso, em alguns casos mais graves, está sendo utilizada uma injeção, cujo efeito tem duração de um mês, evitando a ingestão de medicamentos diários.
Bressan - Invariavelmente ocorre no final da adolescência e no começo da fase adulta. Isso em regra geral, mas, evidentemente, há exceções.
Bressan - Todos nós estamos sujeitos à esquizofrenia. Entretanto, sem dúvida, existem alguns fatores de risco, como a incidência da doença na família, por exemplo. Há outros casos em que a pessoa tem alguns genes que podem desencadear o processo, o que ocorre com o consumo de maconha e de outras drogas. Funciona como um gatilho. A pessoa tem a predisposição e o processo é deflagrado com essa prática.
Bressan - Na verdade, buscamos sempre utilizar inúmeras abordagens no tratamento, desde que existam evidências científicas que comprovem a eficácia dessas medidas. Assim, podemos utilizar atividades artísticas como contribuição no processo. Mas é importante deixar claro que o enfoque principal é tentar reinserir o paciente na vida e no mercado de trabalho. Manifestações de arte não podem ser o foco único do tratamento. Muita gente usa isso para glamourizar a loucura, o que, definitivamente, não ajuda e não leva a lugar nenhum.
Bressan - É preciso ter cautela para que esse conceito não represente também a glamourização da doença. Mas em muitos aspectos podemos dizer que sim. Trata- se de um transtorno psiquiátrico grave e que interfere em inúmeras funções, além das já citadas, como a cognição e a sociabilização. Em resumo, podemos dizer que esquizofrenia é, sim, um dos distúrbios mais misteriosos da mente. Aliás, é uma definição interessante.
Bressan - Existem pacientes que apresentam surtos psicóticos uma vez por ano. Outros têm três vezes por ano e assim por diante. A variação é muito comum. Essas alterações têm a ver com a medicação, mas em muitos casos a pessoa não responde bem aos remédios. O que ocorre aí é o que chamamos de esquizofrenia refratária, ou seja, a pessoa é resistente aos medicamentos convencionais. Quando isso acontece é necessário ministrar o Clozapina, antipsicótico muito eficiente, mas que apresenta efeitos colaterais, como queda na produção de células sanguíneas. Nessas situações o paciente precisa ser monitorado. Esse remédio é mais eficaz do que os outros, mas não podemos utilizá-lo desde o início do tratamento em função, justamente, dos efeitos colaterais.
Bressan - Já está comprovado que, em geral, a pessoa que sofre de esquizofrenia é dotada de um QI (Quociente de Inteligência) um pouco abaixo do normal. No entanto, há casos em que o indivíduo apresenta o QI mais alto do que a maioria. É preciso ressaltar que não há nenhuma relação entre esquizofrenia e inteligência. O que acontece é que, quando a pessoa tem um QI mais elevado, apresenta sintomas mais sofisticados, como no caso do personagem central do filme Uma Mente Brilhante, John Forbes Nash, matemático estadunidense que recebeu o prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel em 1994.
Bressan - O livro mostra a importância de uma abordagem multidisciplinar no combate ao avanço da esquizofrenia, com base nas experiências de alguns dos maiores especialistas da área. É o trabalho de um grupo de profissionais da Unifesp, no qual me incluo, e da USP. A principal novidade é justamente a utilização dessa prática multidisciplinar, com o envolvimento de psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais. São apresentadas novas tecnologias no que se refere à maneira de diagnosticar, planejamento terapêutico, abordagens no tratamento, com o objetivo de diminuir a falta de adesão aos medicamentos e dar ênfase à reinserção dos pacientes no mercado de trabalho rapidamente.
Rodrigo Affonseca Bressan, doutor em Psiquiatria pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), professor adjunto livre docente do Departamento de Psiquiatria e coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas (LINC), é considerado um dos principais especialistas em esquizofrenia do País. Também PhD pelo Institute of Psychiatry, King's College London, University of London (Inglaterra), ele luta para desmistificar a doença e revela o que há de mais atual em relação às formas de tratamento.
Ao mesmo tempo, ressalta a importância do conhecimento para que se consiga um combate eficaz aos efeitos do transtorno. "A falta de informação é a principal fonte dos estigmas", avalia. Bressan diz que o tratamento inclui medicamentos e terapias psicossociais, e afirma que só indica internações em casos que mostrem, indubitavelmente, evidências médicas que as justifiquem. Formado em Medicina em 1991, o psiquiatra aproveitou sua expertise e a ampla experiência na coordenação da equipe do Proesq-Unifesp (Programa de Esquizofrenia da Universidade Federal de São Paulo) para lançar o livro Esquizofrenia - Avanços no Tratamento Multidisciplinar, organizado por ele e pelo também psiquiatra Cristiano S. Noto. O livro mostra a importância de uma abordagem multidisciplinar no combate ao avanço do transtorno, com base nas experiências de alguns especialistas na área.
Você luta para desmistificar a esquizofrenia. Contudo, para chegar a esse estágio é preciso conhecer a doença profundamente e todas as suas consequências. Como a define?
Existe certa confusão ou semelhança entre esquizofrenia e transtorno bipolar? Quais as diferenças entre ambos e como diagnosticar?
Bressan - São pessoas que têm sintomas leves, ou de curta duração, que não perduram. Elas podem já estar um pouco mais isoladas ou mostrarem algumas "cismas", além de apresentarem mudanças no desempenho escolar, por exemplo. Ou seja, existe uma tendência à doença, que pode ser evitada ou retardada. As últimas pesquisas sobre o assunto indicam que é fundamental ter uma preocupação maior com a prevenção. Essa abordagem é uma tendência nova e bem interessante: prevenção em saúde mental.
A maior novidade do momento é utilizar métodos para identificar indivíduos prestes a desenvolver a esquizofrenia, alcançando o chamado grupo de alto risco para a doença
O paciente com diagnóstico de esquizofrenia tem consciência da doença ou está tão fora da realidade que acredita ser saudável? caso ele Não tenha percepção do transtorno, esse fato prejudica a eficácia do tratamento?
A medicina que estuda essa doença avança na mesma velocidade de outras especialidades, como a cardíaca, por exemplo?
O transtorno bipolar é diferente da esquizofrenia porque tem como característica principal variações de humor, em que a pessoa passa rapidamente da euforia para a depressão
Na esquizofrenia, há diminuição das conexões entre os neurônios. É possível reverter esse quadro?
Durante muitos anos o método mais utilizado para tratar a doença eram internações seguidas e sistemáticas. Como você se posiciona em relação a essa abordagem?
Você defende uma abordagem diferente, só por meio de medicamentos e terapias. Por quê?
Só com a utilização de medicamentos é possível que a pessoa com esquizofrenia leve uma vida perto da normal?
Você acredita que ainda há muito preconceito em relação à esquizofrenia?
O preconceito surge com a incompreensão da doença?
O estigma social que persegue a doença atrasa ou prejudica de alguma maneira a evolução do tratamento?
As recaídas podem ser consideradas grandes problemas durante o tratamento?
É importante detectar logo, como você deixou bem nítido. isso ocorre na maioria dos casos?
O grupo de alto risco é formado por pessoas que têm sintomas leves ou de curta duração, que não perduram. Elas podem já estar um pouco mais isoladas ou mostrarem algumas "cismas", além de apresentarem mudanças no desempenho escolar, por exemplo
Posso afirmar que existe muita pesquisa a respeito da esquizofrenia. É um transtorno bastante estudado. Porém, por ser uma doença que atinge o cérebro, traz consigo uma grande complexidade
Há estatísticas sobre qual a faixa etária em que aparece a doença?
Existem fatores de risco que facilitam a doença ou todos estamos sujeitos à esquizofrenia?
O que você acha de usar a arte como terapia (pintura, música, escultura)?
A esquizofrenia é considerada um dos distúrbios mais misteriosos da mente?
Os surtos psicóticos são muito comuns ou com o uso da medicação não acontecem mais?
Alguns estudos relacionam a esquizofrenia à inteligência. O filme Uma Mente Brilhante fala um pouco disso. Você concorda com esses estudos? Como vê a relação entre esquizofrenia e inteligência, se é que existe?
Do que trata seu livro mais recente - Esquizofrenia - Avanços no Tratamento Multidisciplinar? Quais as grandes novidades apontadas nesta obra?