Na última sexta-feira, dia 08 de maio de 2015, foi ao ar o
último capítulo da novela Alto Astral. A citada novela das 19h apresentava uma
história bastante simples, meio cômica, meio trágica, vilões, mocinhas, galãs e
bandidos, como todo folhetim televisivo. Sem levar em consideração se a trama
era boa ou ruim, afinal, pode ser uma questão de gosto, e também sem focar em
toda a novela, uma vez que toda trama teve seus momentos de deslizes, quero
falar do final dado aos vilões dessa novela.
No último capítulo a vilã Úrsula, interpretada por Silvia
Pffeifer, “ganha” um câncer e o vilão Marcos, interpretado por Thiago Lacerda,
recebe como “castigo” a esquizofrenia. Em meu mestrado estudei as
representações de pessoas com deficiência em telenovelas, e uma das conclusões
a que cheguei foi a de que a deficiência costuma ser o “castigo perfeito” para
quem vive fora da linha, para os vilões e bandidos da história. Agora duas
doenças que pessoas vivem cotidianamente e lutam para perder o estigma são
representadas como consequência da maldade humana.
Isso não seria um problema se historicamente as pessoas com
deficiência, com doenças graves ou doenças mentais não fossem consideradas
párias da sociedade. Não seria um problema se essas pessoas não fossem
excluídas da vida social. Não seria um problema se a sociedade não as culpasse
pelo “mal” que elas carregam.
Isso também não seria um problema se fosse qualquer pessoa
inconsequente falando isso na rua. O problema é que nós, pessoas com doenças
graves, pessoas que convivem com a doença mental diariamente, fomos
representados como resultado do mal pela maior rede de televisão do Brasil, num
produto midiático que é o mais visto nos lares brasileiros. Como já disse em
minha dissertação,
“a
televisão brasileira, mais do que instrumento de divulgação de informação, é um
meio de legitimação de temas/assuntos problematizados na sociedade. A
teledramaturgia sinaliza as mudanças que ocorrem na sociedade, criando tramas
de forma que o espectador consiga se reconhecer de alguma forma” (http://goo.gl/JPP5PR).
As
representações midiáticas interferem nas percepções individuais e coletivas do
mundo. Logo, representar a pessoa com esquizofrenia como um louco
descontrolado, sem memória em um espaço de reclusão que não existe mais, é
propagar o estereótipo do esquizofrênico perigoso, que precisa ser retirado da
sociedade. Na Agafape (Associação Gaúcha de Familiares de Pessoas com
Esquizofrenia e Doenças Mentais) trabalhamos todos os dias com pessoas com esse
diagnóstico. Passamos com nossos familiares por diversas internações em
hospitais psiquiátricos. E para nenhum de nós, nem de longe, a cena que
retratou a pessoa com esquizofrenia nos representou.
Mas
pior que não se sentir representado, é ser representado de forma estereotipada,
reforçando um estigma que já nos é doloroso. Trabalhamos diariamente para
acabar com a marca do “louco perigoso”. Trabalhamos diariamente para
proporcionar qualidade de vida, vida social e digna para as pessoas com
esquizofrenia. Não precisamos da Globo novamente sendo a Globo em suas
representações rasas, preconceituosas e estereotipadas de nossas doenças,
deficiências e comportamentos.
Bruna Rocha
Doutoranda em Educação, Mestre em Comunicação Social
Tem Esclerose Múltipla e uma irmã com Esquizofrenia